Equipe Christo Nihil Præponere
Parece que hoje o matrimônio encontra-se na mesma situação que outras tantas instituições morais, políticas ou religiosas. No passado, tais instituições estavam acima das pessoas que as encarnavam. Os cônjuges não desejavam apenas manter-se fiéis um ao outro, mas também ao matrimônio. Enquanto a instituição matrimonial permaneceu viva, revitalizada pela seiva cristã, foi um apoio orgânico para os esposos. Mas desde que degenerou em puro formalismo legal, a instituição matrimonial se transformou em um fardo intolerável para muitos. Nossa época se rebelou contra a instituição, numa busca de liberdade ou “realização pessoal” na qual o amor passa a ser uma espécie de véu agradável que encobre ou maquia a sensualidade e a egolatria.
O amor deixou de ser união íntima entre duas almas para transformar-se em uma ânsia insaciável de felicidade imediata; e assim, crendo ser mais livre, fez-se mais escravo: da leviandade e do tédio da busca por experiências novas e contingentes. Amor e egoísmo estão cada vez mais emaranhados; deste modo, os enamorados não chegam a conhecer-se realmente: amam um fantasma que criam à imagem de seu desejo; ou, em todo caso, avançam rumo a uma simbiose de egoísmos, rumo a um compromisso artificial entre duas almas que se tornaram estranhas e se fecharam uma para a outra. Soma-se a essa entronização do desejo pessoal e egoísta uma ruptura entre sexualidade e matrimônio, entre sexualidade e procriação, e até entre sexualidade e amor, que acabou arruinando a instituição matrimonial.
É por meio do matrimônio que se produz a união moral de duas pessoas que, apesar de não se tornarem uma só [i], entram em uma comunhão na qual cada um dos cônjuges não se limita a “desejar o outro”, mas também “deseja para o outro” e “com o outro” o aperfeiçoamento pessoal, que é alcançado por meio da doação de uma pessoa à outra. E a consequência natural dessa doação é a encarnação dela em filhos, que a proclamam e a mantêm viva. Porém, à medida que o fim procriativo foi sendo ocultado, seguiu-se fatalmente a deterioração do fim unitivo: onde se impôs a contracepção, a legalização do divórcio foi transformada em sua consequência natural. Aquilo que supostamente havia nascido para libertar o matrimônio do “fardo” dos filhos, terminou “libertando” os cônjuges de seu próprio compromisso. E com a ampliação do divórcio veio o crescimento no número de abortos, em decorrência de ideologias monstruosas que concebem a maternidade como uma espécie de escravidão da qual a mulher deve se libertar.
Com o tempo, a contracepção se tornou a principal causa do naufrágio demográfico no Ocidente, cuja baixa natalidade acentua sua deterioração econômica e propicia as avalanches imigratórias que tanto convêm ao capitalismo global, que deste modo pode pagar salários cada vez mais baixos (o que, ao mesmo tempo, dissuade as novas gerações de casar-se e ter filhos).
Assim, propiciam-se novas formas de amor narcisista e solipsista, que amam mais sua própria embriaguez e exaltação, transformando o ser amado num fantasma criado à medida de seu desejo. Formas de amor que fracassam inevitavelmente quando esse fantasma mostra suas imperfeições e misérias; porque esses amores narcisistas só vivem para cobiçar. O verdadeiro amor conjugal, por outro lado, vive de doar-se sem pedir nada em troca; e assim, por pura gratuidade, obtém sua recompensa, que não é outra senão sentir-se unido, vencido pelo outro, invadido pela alegria silenciosa da entrega.