Equipe Christo Nihil Præponere
A Quaresma se aproxima e, com ela, mais uma oportunidade de nos aproximarmos de Deus e fazermos penitência por nossos pecados.
A ocasião é mais que propícia, então, para falarmos de um canto, que o Hinário Litúrgico da CNBB já há um bom tempo prevê para o rito de distribuição das cinzas, com que se inaugura o tempo quaresmal. O hino chama-se Pecador, agora é tempo, e passa-nos uma mensagem que, infelizmente, anda bem ausente de nossas orações e homilias: a fuga do pecado, a reflexão sobre a morte e a necessidade da penitência.
Eis a letra da canção:
Pecador, agora é tempo
De pesar e de temor:
Serve a Deus, despreza o mundo,
Já não sejas pecador!Neste tempo sacrossanto
O pecado faz horror:
Contemplando a Cruz de Cristo,
Já não sejas pecador!Vais pecando, vais pecando,
Vais de horror em mais horror:
Filho, acorda dessa morte,
Já não sejas pecador!Passam meses, passam anos,
Sem que busques teu Senhor:
Como um dia para o outro,
Assim morre o pecador!Pecador arrependido,
Pobrezinho pecador,
Vem, abraça-te contrito
Com teu Pai, teu criador!Compaixão, misericórdia
Vos pedimos, Redentor:
Pela Virgem, Mãe das Dores,
Perdoai-nos, Deus de amor!
Detenhamo-nos em algumas linhas deste hino popular.
“Pecador, agora é tempo / de pesar e de temor”. Pesar e temor, definitivamente, não são palavras da moda. Na verdade, alegria e amor têm sido a ordem do dia, e ai de quem ouse contrariar a agenda otimista dos nossos atuais “evangelizadores”! Mas a sábia Mãe Igreja, desde tempos imemoriais, faz preceder o gáudio pascal de uma salutar penitência quaresmal, justamente porque não pode ressuscitar com Cristo quem não sobe até o Calvário com Ele. O amor e a alegria são os primeiros frutos do Espírito enumerados pelo Apóstolo (cf. Gl 5, 22-23), mas são justamente isto: frutos de uma vida conduzida pelo Espírito. Se estamos no pecado, porém, é muito salutar que, primeiro, choremos os nossos pecados e sejamos movidos pelo temor do Senhor — a que a Escritura chama “princípio da sabedoria” (Pr 9, 10; Sl 110, 10). “Pois a tristeza segundo Deus produz o arrependimento que leva à salvação” (2Cor 7, 10).
“Serve a Deus, despreza o mundo”. Esse antagonismo entre Deus e mundo é bíblico também. São Tiago diz que “todo aquele que pretende ser amigo do mundo torna-se inimigo de Deus” (Tg 4, 4) — teologia antiquada para a nossa época, em que tantos dentro da Igreja falam de aprender com o mundo, com as outras religiões, ao mesmo tempo que desprezam a doutrina deixada por Cristo aos Apóstolos, e pela qual eles mesmos derramaram o seu sangue e foram mártires. De resto, o próprio Senhor pregava: “Convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1, 15) — e também os padres o dizem, ao marcar com cinzas as nossas frontes! Ora, se tanto faz ser de Deus ou do mundo, se somos todos “cristãos anônimos” no frigir dos ovos, não haveria por que converter-se, batizar-se ou ir à igreja…
“Contemplando a Cruz de Cristo, / já não sejas pecador!” Ou seja, contemplando o preço que o próprio Deus pagou pelo nosso resgate, não voltemos à lama do pecado, à condição da qual ele nos tirou. Não nos entreguemos novamente nas mãos de Satanás, não queiramos voltar à antiga escravidão, depois de havermos sido comprados pelo sangue do Cordeiro imaculado.
“Vais pecando, vais pecando, / vais de horror em mais horror”. A Escritura diz o mesmo quando declara: Abyssus abyssum invocat — “Um abismo chama outro abismo” (Sl 41, 8). Quem está no pecado, está sempre decaindo, regredindo cada vez mais. Nessa matéria, nunca se fica no mesmo degrau. Um pecado chama o outro, um horror conduz a outro, formando maus hábitos e transformando-os na “segunda natureza” do pecador. É por isso que, quanto mais afundamos no mal, mais difícil é livrarmo-nos dele: o pecado, repetido, transforma-se em vício, arraiga-se na alma, entorpece os nossos sentidos. Daí o “chacoalhão” que nos dá este canto: “Filho, acorda dessa morte”. Quem vive no pecado, não está no chão da realidade; dorme, e um sono de morte. A Quaresma é tempo de despertar desse pesadelo e reconciliar-se com Deus Pai, que tanto nos ama.
“Passam meses, passam anos, / sem que busques teu Senhor”. Não é esta a situação de muitos “católicos de IBGE” — especialmente os que vão à Missa da Quarta-feira de Cinzas? Já comentamos aqui o fascínio que dias como este, e também o Domingo de Ramos e a Sexta-feira Santa, exercem sobre os batizados. Muitos deles não vão com frequência à igreja, mas ainda se identificam como católicos, e por isso querem cinzas na testa, ramos empunhados e peixe na Sexta da Paixão. Não seria extraordinário, pois, que essas pessoas ouvissem, num desses raríssimos dias em que comparecem aos ritos de nossa religião, estes versos fortes, incômodos e desafiadores? Não seria interessante que os padres, neste dia, pregassem a necessidade do sacramento da Confissão — abdicando um pouco de seu comodismo em prol das almas, que têm sede de Deus? Ou que falassem do Inferno — justamente para que as pessoas saíssem do “inferno” em que já vivem por causa de seus pecados?
“Como um dia para o outro, / assim morre o pecador!” Eis outra sentença de peso, talvez até pesada demais para nossos ouvidos politicamente corretos. Pois esta morte do pecador, repentina, é uma tragédia, e pressupõe um dogma há muito esquecido e desprezado: a existência do Inferno; e um fato que muitos querem negar em nossa época: pessoas vão para lá. Noutras palavras: Não, senhor… o Inferno não está vazio! Pelo menos uma multidão de anjos maus são desde já os seus moradores. E, se Nossa Senhora realmente apareceu em Fátima em 1917, e de fato mostrou o Inferno àqueles pastorinhos, também caem aí, e aos montes, as almas dos pobres pecadores.
Portanto, não podemos agir — e viver — como se tudo fosse dar certo no final. Não, ninguém no-lo garantiu! O Apóstolo diz que “tudo concorre para o bem dos que amam a Deus” (Rm 8, 28) — mas, se não o amamos, temos muito o que temer. Ora, ninguém duvida que Deus ama todas as suas criaturas e, quanto aos homens, quer que todos se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade (cf. 1Tm 2, 4). Acontece que a condenação eterna não é uma deficiência no amor de Deus; é uma recusa de amar por parte do ser humano. Quem passou a vida inteira de costas para Deus, e morre como viveu, não terá um bom fim. Por isso, como não sabemos o dia nem a hora: “Pecador, agora é tempo”. Amanhã pode ser tarde demais.
O canto termina com um apelo ao pecador e uma súplica a Cristo e à Virgem das Dores — que é, na verdade, para onde todo o tempo da Quaresma converge. As últimas duas semanas da preparação para a Páscoa eram conhecidas antigamente como Tempo da Paixão. Por isso ainda hoje, em muitos lugares, já nos sete dias que precedem a Semana Santa, cobrem-se com um véu as imagens sagradas das igrejas, intensificam-se as penitências e celebram-se até mesmo as dores de Nossa Senhora (daí o termo popular “semana das dores”).
Sim, dirijamo-nos a ela neste tempo penitencial: pois o que Cristo mereceu no Calvário por justiça, Maria o mereceu aos pés da Cruz por sua amizade com Deus. É ela a Medianeira de todas as graças, e é por isso que lhe suplicamos: “Rogai por nós, pecadores, agora e na hora de nossa morte”. — Agora, ó Mãe santíssima, não amanhã, alcançai-nos a graça da conversão e da mudança de vida. Agora, ó Mãe das Dores, “contemplando a Cruz de Cristo”, transformai-nos de pecadores em filhos amados vossos. E por fim, na hora de nossa morte, levai-nos para o Céu. Amém.